Para um professor de português, explicar polissemia é coisa bastante fácil. Mas, nem sempre compreensível ao estudante, especialmente aquele mais ligado às ciências exatas, como matemática, e pouco afeito à gramática e à língua de Camões. Portanto, se este é o seu caso, não se assuste, este é realmente um tema que exige muita atenção e perspicácia a quem vive o processo de aprendizagem.
Mas, não é nenhum bicho de sete cabeças. Estudada dentro da área de semântica, como conceito de linguística, a polissemia define aquelas palavras que podem ter mais de um significado, com a mesma grafia.
Mesma palavra, com vários significados
Para compreender melhor, vamos definir polissemia de outra forma: a palavra polissêmica pode dizer mais de uma coisa – ter mais de um significado -, embora seja absolutamente igual, graficamente, para esses dois significados. A palavra ‘banco’, que todo mundo conhece, é um bom exemplo de polissemia.
- Meu pai foi ao banco pegar um dinheiro.
- Encontrei meu pai sentado num banco da praça.
A palavra é a mesma, absolutamente igual, mas, no primeiro caso indica aquele local onde guardamos dinheiro e pagamos contas; no segundo, um simples banco de praça, usado para descansar um pouco ou relaxar de um dia estafante.
Palavra que vem do grego polysemos
Aprendendo a origem da palavra polissemia, fica mais fácil compreender o seu significado. Ela vem da expressão grega polysemos: polis quer dizer muitos, variados, enquanto sema indica significado. Ou seja, polissemia é uma palavra com diversos significados, uma palavra que muda de significado conforme o contexto em que aparece na frase.
Exemplos são sempre bons para compreendermos coisas, como expressões linguísticas, que nos parecem complicadas. Então, vamos buscar socorro no poeta potiguar Jorge Fernandes, talvez o mais importante do Rio Grande do Norte.
Provocações do potiguar Jorge Fernandes
Antes de entrar no poema, é preciso entender que ele escreveu “Pescadores” em 1927 e, portanto, há expressões que se referem àquela época, à Natal ainda provinciana de quase um século atrás. Diz o poema:
Chegou do mar!
Quanta arrogância no pescador…
(…) Olhem o calão do peixe que ele trouxe!!?…
São peixes monstros que ele pescou…
Ele utiliza propositadamente a palavra ‘calão’ para confundir e excitar poeticamente o leitor, pois trata-se de palavra que possui cinco significados na Natal dos pescadores de há um século. E qual seria o significado que o poeta quis dar a esta palavra em seu poema? Eis a questão. Calão poderia ser:
- Uma embarcação grande, comprida e larga;
- Uma telha grande, por onde corre a água;
- Um pedaço de pau roliço para o transporte de objetos sobre o ombro;
- Uma vara, que é amarrada em cada lado da rede de pesca;
- Uma rede de pesca, com características bem próprias e que possui pesos.
Para conhecer as origens da polissemia
Cada um pode fazer sua própria interpretação para a palavra “calão” que Jorge Fernandes escreveu. O peixe que ele pescou poderia ser, claro, um bem grande, tipo a embarcação do primeiro significado. Mas, também, a telha grande, o grande pedaço de pau para carregar objetos ou até a rede bem grande. A interpretação fica para o leitor.
Assim define-se um termo polissêmico – com mais de uma ou muitas interpretações. Para os estudiosos da língua portuguesa, a polissemia tem origem na influência de estrangeirismos, em neologismos e, mais recentemente, no emprego de metáforas em termos e discursos. Emprega-se uma palavra, mas, com outro significado ao seu original.
Ambiguidade nos poemas de Drummond
A polissemia, além disso, pode ser ambígua – uma palavra que possui significados diferentes e que confunde. Um dos mais conhecidos aparece num famoso poema de Carlos Drummond de Andrade, quando ele diz:
“No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho”
Embora escritas com a mesma grafia, fica claro que existem aí dois significados para a palavra pedra. Na primeira estrofe, havia um obstáculo mineral no meio da estrada; na segunda, um obstáculo na vida de alguém. A ambiguidade da expressão pedra é o recurso do poeta para nos fazer pensar. É também o caso da frase “o porco do meu tio estava muito bravo”. Ou é uma ofensa ao tio ou o tio possui um animal, um porco, muito bravo.
Não faça confusão com a homonímia
Depois de compreendido o conceito principal de polissemia, vamos complicar um pouco. Polissemia e homonímia costumam causar bastante confusão entre si, mas, na verdade, cada uma tem seu próprio significado. Vejamos:
- Polissemia – Uma mesma palavra, com vários significados, como já sabemos;
- Homonímia – Duas palavras diferentes, que têm a mesma escrita e pronúncia, mas, têm origens e significados diferentes. Um dos exemplos mais comuns de homonímia é a palavra grama. Vejamos:
- Grama – relva ou pasto que cobre os campos, é originária do latim gramen.
- Grama – unidade de peso, constitui uma milésima parte de um quilo e é originária do grego grámma.
Como pode ser visto, a mesma grafia com duas origens bem distintas e, também, significados que nada têm a ver um com o outro. Estas são palavras homonímias.
Alguns exemplos simples de polissemia
Para concluir, alguns exemplos de palavras polissêmicas para firmar bem o conceito:
- Letra – esta com que estamos trabalhando agora, do alfabeto;
- Letra – de música;
- Letra – no mercado financeiro, é um título de capitalização;
- Letra – neologismo que pode significar “ensinar sobre” alguma coisa a alguém.
Outro exemplo é a palavra cabeça:
- Cabeça – parte do corpo animal;
- Cabeça – líder de uma organização;
- Cabeça – pessoa que entende das coisas, está à frente dos demais;
- Cabeça – parte superior de um corpo inanimado, como um prego.
A palavra estrela também é um importante termo polissêmico. Vejamos:
- Estrela – corpo celeste que enxergamos à noite;
- Estrela – artista do cinema, teatro ou televisão;
- Estrela – quer faz o possível para ‘aparecer’ ou destacar-se entre os demais, não tendo todas as qualidades para isso.
E, finalmente, como exemplo de polissemia, temos a palavra formigueiro. Veja:
- Formigueiro – daqueles pequenos animais que habitam campos e quintais;
- Formigueiro – fala-se quando há uma grande multidão;
Formigueiro – quando o paciente relata ao médico que sente comichão nos pés ou num braço.
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